Complemento da Ação: PARECER JURÍDICO
MOTIVAÇÃO ALIUNDE/PER RELATIONEM:
Trata-se de projeto de lei encaminhado a esta Procuradoria, nos autos do procedimento administrativo nº 515/2025, que dispõe sobre: “INSTITUI A CIPFIBRO – CARTEIRA DE IDENTIFICAÇÃO DA PESSOA COM FIBROMIALGIA NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO DE IBATIBA/ES E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.”
Em análise aos arquivos desta Procuradoria, pudemos constatar que no ano de 2023 foi confeccionado parecer jurídico sobre tema semelhante, mais precisamente no âmbito do processo administrativo de nº 700/2023, em projeto de lei que dispunha sobre “a instituição no âmbito do Município de Ibatiba, de Carteira de Identificação da Pessoa com Deficiência, com vistas a garantir atendimento prioritário e/ou preferencial a estes cidadãos, em órgãos da administração pública direta e indireta, bem como em estabelecimentos privados.
Neste sentido, em razão do tema semelhante, nosso entendimento se fundamenta nos mesmos motivos elencados no procedimento do ano de 2023, motivo pelo qual, apresentaremos motivação aliunde/per relationem na forma do art. 50, §1º da lei 9.784/99[1], nos moldes do parecer jurídico colacionado abaixo:
“Referência: Processo nº 700/2023 / Projeto de Lei nº ____/2023
Autoria: Poder Legislativo
Assunto: Projeto de Lei de iniciativa do Poder Legislativo, dispõe sobre a instituição no âmbito do Município de Ibatiba, de Carteira de Identificação da Pessoa com Deficiência, com vistas a garantir atendimento prioritário e/ou preferencial a estes cidadãos, em órgãos da administração pública direta e indireta, bem como em estabelecimentos privados.
Interessado: Presidente da Câmara de Ibatiba/ES.
I- RELATÓRIO
A Presidência da Câmara de Vereadores solicita-nos parecer acerca do Projeto de Lei que dispõe sobre a instituição no âmbito do Município de Ibatiba, de Carteira de Identificação da Pessoa com Deficiência, com vistas a garantir atendimento prioritário e/ou preferencial a estes cidadãos, em órgãos da administração pública direta e indireta, bem como em estabelecimentos privados.
É o relatório. Passo a opinar.
II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O referido Projeto de Lei dispõe sobre a instituição no âmbito do Município de Ibatiba, de Carteira de Identificação da Pessoa com Deficiência, com vistas a garantir atendimento prioritário e/ou preferencial a estes cidadãos, em órgãos da administração pública direta e indireta, bem como em estabelecimentos privados.
Da leitura do texto é possível concluir pela inconstitucionalidade formal da norma. Neste sentido, passemos a análise dos fundamentos jurídicos, que nos levaram a concluir por referido entendimento.
Passemos incialmente à analise das normas atinentes ao tema na legislação pátria.
“Art. 24, CF - Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...)
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”
“Art. 30, CF - Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”.
Pela leitura das normas supracitadas, podemos verificar que compete à União estabelecer normas gerais acerca da proteção do portador de deficiência, ao Estado suplementar a legislação nacional e, por sua vez, ao Município cumpre regulamentar o tema exclusivamente sob o ponto de vista do interesse local.
Da leitura do projeto de lei em análise, podemos verificar que o intuito fundamental da norma, é garantir prioridade no atendimento aos portadores de necessidades especiais, através de carteira de identificação municipal específica.
Ocorre, porém, que no âmbito de sua competência, para estabelecer normas gerais sobre o tema, a União já realizou o pleno exercício de sua competência, eis que já editou normas gerais sobre a proteção e integração social da pessoa portadora de necessidades especiais (Lei nº 10.098/2000 e Lei nº 13.146/2015), já garantindo por sua vez, o atendimento prioritário almejado pelo projeto de norma ora sob análise.
Neste sentido, colacionamos trechos da referida norma:
Art. 1o As pessoas com deficiência, os idosos com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, as gestantes, as lactantes, as pessoas com crianças de colo e os obesos terão atendimento prioritário, nos termos desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
Ou seja, haveria compatibilidade com a Constituição se a norma analisada tivesse disciplinado a proteção do portador de necessidade especial a partir de algum interesse local do Município de Ibatiba.
Entretanto, não consta do projeto de lei qualquer indício que demonstre a peculiaridade local no tratamento da matéria ( o que permitiria, com fundamento no art. 30 da CF, sua iniciativa), além do que, acaba por estabelecer norma já editada pela União, invadindo sua competência já editada sobre normas gerais sobre o tema, conforme já citamos acima.
Não obstante a matéria já disciplinada, a União já disponibiliza, através de site oficial, bem como através de aplicativos para celular, confecção de carteira de identificação semelhante, de forma totalmente gratuita, conforme pode se verificar no sitio eletrônico: https://www.gov.br/pt-br/servicos/solicitar-certificado-da-pessoa-com-deficiencia
No mais, verificamos que o referido projeto de lei, em que pese, a já citada incompatibilidade, também visa atribuir ao Poder Executivo o dever de emitir o cartão de identificação através de órgão público municipal (artigo 3º).
Nesse contexto, possível perceber que o diploma também contraria o disposto nos artigos 61, §1º, II, “b” da Constituição Federal, que reservam ao chefe do Poder Executivo a competência para legislar e organizar a administração pública e também o art. 58, III da LOM, por simetria, senão vejamos:
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
II - disponham sobre:
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
[...]
Art. 58. Compete privativamente ao Prefeito a iniciativa de leis que disponham sobre:
III - criação, estruturação e atribuições de departamentos, Secretarias Municipais e órgão da administração pública municipal.
Neste mesmo sentido, foi o entendimento jurisprudencial em Ações Diretas de Inconstitucionalidades que trataram, exatamente sobre o mesmo tema, vejamos:
Ação direta de inconstitucionalidade Lei Municipal nº 10.479, de 15 de março de 2022, de Santo André Institui a carteira de identificação da pessoa com síndrome de Down (CIPSD), de expedição gratuita e dá outras providências Lei de iniciativa parlamentar - Matéria de interesse local - Legislador municipal instituiu política pública em favor de pessoa com deficiência impondo os meios de cumprimento da obrigação Estabelecimento da forma e do prazo máximo para o cumprimento da medida, além de outras determinações Ingerência do Legislativo na discricionariedade administrativa do Chefe do Poder Executivo Princípio da Separação dos Poderes vulnerado pela norma questionada Mácula constitucional verificada - Ação procedente.
[....]
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.509.899-4 – ÓRGÃO ESPECIAL.
AUTOR: PREFEITO MUNICIPAL DE MARINGÁ.
INTERESSADO: CÂMARA MUNICIPAL DE MARINGÁ.
RELATOR: DES. CLAYTON CAMARGO.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI DO MUNICÍPIO DE MARINGÁ Nº 10.028/2015, DE INICIATIVA PARLAMENTAR, QUE ATRIBUI AO PODER EXECUTIVO A INSTITUIÇÃO DO CARTÃO DE IDENTIFICAÇÃO DO DEFICIENTE – CID – E MEDIDAS FISCALIZATÓRIAS DA LEI (NOTIFICAÇÃO, MULTA E INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTOS INFRATORES). REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA – NORMAS CONSTITUCIONAIS DE REPRODUÇÃO OBRIGATÓRIA QUE PODEM SER UTILIZADAS COMO PARÂMETRO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL – COMPETÊNCIA CONCORRENTE DA UNIÃO E DOS ESTADOS PARA LEGISLAREM ACERCA DA PROTEÇÃO DA PESSOA PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS – ART. 24, XIV, CF E ART. 13, XIV, CE. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO LOCAL - ART. 30, I, CF E ART. 17, I, CE. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO PARA LEGISLAR ACERCA DAS ATRIIBUIÇÕES DE SECRETERIAS E ÓRGÃOS PÚBLICOS – ART. 66, IV, CE. INCONSTITUCIONALIDADES FORMAIS VERIFICADAS. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL NÃO CARACTERIZADA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
Diante do exposto, tendo em vista que a lei municipal tratou de matéria cuja competência legislativa é concorrente, portanto reservada à União e ao Estado-membro (art. 24, XIV, CF, e art. 13, XIV, CE); considerando a inexistência de interesse público local (art. 30, I, CF, e art. 17, I, CE); o pleno exercício da competência da União que já editou normas gerais sobre a proteção e integração social da pessoa portadora de necessidades especiais (Lei nº 10.098/20001 e Lei nº 13.146/20152) e, por fim, a invasão de competência privativa do chefe do Poder Executivo em legislar acerca da atribuição dos órgãos e da administração pública (art. 66, IV, CE), concluímos no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade formal do projeto de lei ora sob análise.
É o parecer.
Ibatiba, 20/03/2023
____________________
Leandro Santos Azeredo
Procurador
OAB/ES 16.231”
No mais, e especificamente sobre o tema, podemos notar grande quantidade de entendimentos no mesmo sentido, ou seja, pela inconstitucionalidade do projeto de lei ora sob análise, senão vejamos:
Câmara de Cachoeiro de Itapemirim:
PARECER JURÍDICO Ref.: PROJETO DE LEI Nº 60/2024 INICIATIVA: Vereador Leonardo Camargo (Leo Camargo)
“Em cotejo, identifica-se que a propositura em tela viola o postulado da separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal) por criar atribuições aos órgãos do Executivo, além de não indicar respectiva fonte de custeio para a despesa criada, o que viola a determinação do art. 167, §7º, CF. Por tudo que precede, conclui-se objetivamente a presente consulta no sentido da inviabilidade jurídica do projeto de lei submetido à análise, motivo pelo qual não merece prosperar. Isto exposto, pela regular tramitação, razão pela qual orientamos pelo encaminhamento da matéria à Comissão de Constituição, Justiça e Redação para considerações. Desta forma, concluímos objetivamente a presente consulta na forma das razões exaradas.
E também:
PROCURADORIA JURÍDICA PARECER Nº 1.358 PROJETO DE LEI Nº 14.383/24 PROCESSO Nº 2.571/24 ASSUNTO: CRIA A CARTEIRA DE IDENTIFICAÇÃO DA PESSOA COM FIBROMIALGIA – RGFIBRO CONSULENTE: DIRETORIA LEGISLATIVA EMENTA: PROCESSO LEGISLATIVO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE. ILEGALIDADE. 1 – RELATÓRIO De autoria do Vereador, Paulo Sérgio Martins, o presente projeto tem por objetivo criar a Carteira de Identificação da Pessoa com Fibromialgia – RGFibro.
Pelo exposto e na forma do parecer jurídico apresentado no procedimento de nº 700/2023, opinamos pela inconstitucionalidade da matéria apresentada.
É o parecer.
[1] art. 50, § 1º, da Lei 9784/99, que diz:
"Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
(...)§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato."
|