Complemento da Ação: PARECER JURÍDICO
I – Relatório
Trata-se de proposição de inciativa parlamentar, visando a redução da faixa não edificável das rodovias, na forma da Lei Federal nº 6.766/79, modificada pela Lei Federal nº 13.913/19.
É o breve relatório.
II -Fundamentação Jurídica
A Constituição Federal, em matéria de urbanismo (art. 24, I), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º).
Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esse tema. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no art. 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber.
No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação.
Nesses termos, a alteração que se pretende instituir se insere, efetivamente, no interesse local e respeita o regramento geral instituído pela Lei Federal nº 6.766/79. Isso porque, além de veicular tema de relevância para o Município, a proposta se refere à reserva de faixa não edificável ao longo das rodovias, compreendendo a competência material do art. 30, VIII, da CF/88.
No que diz respeito à iniciativa, também está adequada, porque não há qualquer dispositivo constitucional que restrinja o poder de iniciativa no que concerne aos projetos de lei sobre o plano diretor. Aplica-se, em razão disso, a regra geral prevista no artigo 61, caput, da CF/88, segundo os quais a iniciativa dos projetos de lei, salvo disposição contrária, cabe a qualquer membro do Legislativo, comissão permanente da Câmara Municipal, ao Prefeito e ao eleitorado.
Neste sentido, válido demonstrar a jurisprudência a seguir:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 11.290, de 3 de janeiro de 2013, do Município de São José do Rio Preto, que permitiu a ampliação do potencial construtivo de imóveis localizados em pequena e específica região urbana ali definida. Inocorrência de vício de iniciativa do projeto de lei deflagrado pelo Legislativo Municipal, haja vista que a norma editada não regula matéria estritamente administrativa, afeta ao Chefe do Poder Executivo, delimitada pelos artigos 24, §2°, 47, incisos XVII e XVIII, 166 e 174 da CE, aplicáveis ao ente municipal, por expressa imposição da norma contida no artigo 144 daquela mesma Carta. Previsão legal que apenas tratou de tema pertinente ao uso e ocupação do solo urbano, inserido, portanto, na competência legislativa comum dos poderes Legislativo e Executivo, razão pela qual poderia mesmo decorrer de proposta parlamentar. (...)” (TJSP, ADI nº 0125155-62.2013.8.26.0000, rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, j. em 26.03.2014, g.n.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR Nº 115, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2016, DO MUNICÍPIO DE ITAPETININGA (...) NÃO CARACTERIZAÇÃO, ADEMAIS, DO VÍCIO DE INICIATIVA. MATÉRIA DE INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O LEGISLATIVO E O EXECUTIVO. PRECEDENTES DO ÓRGÃO ESPECIAL NESSE SENTIDO (...) Não se observa, também, a afronta ao princípio da Separação de Poderes. Destaque-se, por imperioso, que a regra geral acerca da competência de iniciativa legislativa é a da competência concorrente, ou seja, tanto o Executivo, quanto o Legislativo, podem dar início aos projetos normativos. A competência privativa ou exclusiva, por sua vez, é a exceção e, como tal, deve ser tratada de forma restritiva. (...). Ademais, o artigo 47 da Constituição Estadual, ao tratar da competência privativa do Governador do Estado não traz em seu rol qualquer tópico relativo ao uso e a ocupação do solo. (...) É certo, assim, que a Câmara detém competência concorrente, para dispor acerca das regras gerais previstas no artigo 181, da Constituição Estadual (...). E essa é exatamente a hipótese dos autos, em que a Câmara Municipal, mediante projeto de iniciativa Parlamentar, tratou de questões afetas ao uso e ocupação do solo (TJSP, ADI nº 2255977-03.2016.8.26.00008 , rel. Des. Amorim Cantuária, j. em 26.04.2017, g.n.).
Quanto à matéria de fundo, o Projeto de Lei ora sob análise objetiva adequar-se à nova redação da Lei Federal nº 6.766/79, modificada pela Lei Federal nº 13.913/19, que prevê a possibilidade de os Municípios e o Distrito Federal reduzirem a reserva de faixa não edificável ao longo das áreas de domínio público em rodovias para 5 metros de cada lado:
Art. 4º (...)
III – ao longo das faixas de domínio público das rodovias, a reserva de faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado poderá ser reduzida por lei municipal ou distrital que aprovar o instrumento do planejamento territorial, até o limite mínimo de 5 (cinco) metros de cada lado.
III-A. – ao longo das águas correntes e dormentes e da faixa de domínio das ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado;
Da leitura dos dispositivos legais, tem-se que estão em consonância com o atual regramento federal, já que reduzida a reserva para o mínimo de 5 metros nas faixas de domínio público das rodovias, como faculta expressamente o inciso III do art. 4º da Lei Federal nº 6.766/79.
Assim, em termos gerais, o dispositivo é juridicamente viável, uma vez que a matéria está compreendida nas competências legislativas municipais, a iniciativa legislativa é concorrente e a proposição é compatível com o interesse local e com as demais normas existentes em âmbito federal. Salienta-se, entretanto, que é obrigatória a participação popular durante a tramitação do projeto, sob pena de inconstitucionalidade formal, tendo em vista que dispõe sobre a política de ordenamento territorial e ocupação do solo urbano, estando tal dever previsto no art. 231, § ú, inciso IV da Constituição Estadual e no art. 39, § 4º, I, do Estatuto da Cidade.
Inclusive, o TJRS já declarou a inconstitucionalidade formal de lei municipal que, ao alterar o plano diretor, deixou de oportunizar a participação popular na discussão da proposta:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 2.960/16, DO MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO, A QUAL ALTERA A REDAÇÃO DA LEI INSTITUIDORA DO PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO DO MUNICÍPIO. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DA OBRIGATÓRIA PARTICIPAÇÃO POPULAR PARA DISCUSSÃO ACERCA DO PLANO DIRETOR. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. A lei municipal objeto da presente ação direta de inconstitucionalidade padece de vício formal, pois alterou a lei instituidora do plano diretor de desenvolvimento urbano do Município sem observar o regular processo legislativo, que deve assegurar a participação popular na definição do plano diretor e das diretrizes gerais de ocupação do território, nos termos do preceito constante no art. 177, § 5º, da Constituição Estadual. Da mesma forma, restou violada a regra disposta no art. 29, inc. XII, da Constituição Federal, que determina a cooperação das associações representativas no planejamento municipal, norma de observância obrigatória pelos Municípios. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70072802689, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angela Terezinha de Oliveira Brito, Julgado em: 11-12-2017)
No mais, observo que em razão da matéria tratada no ora projeto de lei, é necessário que o mesmo seja apresentado através de Lei Complementar, sendo exigido para sua aprovação o quórum de maioria absoluta, senão vejamos o que determinado pelo art. 160 do Regimento Interno desta Casa de Leis:
Art.160 Dependerão de voto da Maioria absoluta dos membros da Câmara a aprovação e alteração das seguintes matérias;
(...)
VII- Código de Posturas Municipal;
VIII -Lei de Parcelamento do Solo Urbano;
IX - Lei de uso e ocupação do Solo Urbano;
X - Lei de Delimitação do Perímetro Urbano;
4. Conclusão
Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela constitucionalidade do Projeto de Lei, por inexistirem, até o momento, vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário.
Ressalta-se, porém, que é obrigatória a participação popular durante a tramitação do projeto, sob pena de inconstitucionalidade formal, tendo em vista que dispõe sobre a política de ordenamento territorial e ocupação do solo urbano, estando tal dever previsto no art. 231, § ú, IV da CE/ES e no art. 39, § 4º, I, do Estatuto da Cidade. Portanto, a completa viabilidade jurídica do projeto, sob o aspecto formal, está condicionada à ampla divulgação e à realização de consultas/audiências públicas para discussão da proposta e para o recebimento de sugestões da comunidade.
É o parecer.
|