Complemento da Ação: PARECER JURÍDICO
I- RELATÓRIO
A Presidência da Câmara de Vereadores solicita-nos parecer acerca do Projeto de Lei que dispõe sobre a instituição “DO PLANO EDUCACIONAL INDIVIDUALIZADO (PEI) PARA PESSOAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) NO MUNICÍPIO DE IBATIBA-ES E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS..”
É o relatório. Passo a opinar.
II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Cabe, antecipadamente, analisar se a proposição encontra respaldo no que diz respeito à competência legislativa e à competência material propriamente dita do Município, contemplando ou não o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
...
XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
...
IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;
Diante desse contexto constitucional normativo, deve-se analisar a compatibilidade das proposições municipais a fim de considerar a possibilidade de que o Município institua norma sobre as diretrizes e bases da educação nacional, como pretende a proposição, sem que isso caracterize desarmonia com o as regras constitucionais de competência, sendo as regras de distribuição de competências legislativas alicerces do federalismo.
Constata-se que a Constituição Federal assegura à União a competência legislativa para dispor sobre as diretrizes e bases da educação nacional (artigo 22, inciso XXIV, da Constituição da República), efetivamente a matéria sobre a qual o Projeto de Lei do Legislativo pretende dispor. No exercício dessa competência material, cabe à União legislar sobre a matéria, quando não inserida no campo do interesse local, o que não parece ser o caso. Assim, verifica-se que a carta republicana, na repartição das competências aos entes federados não conferiu aos municípios a possibilidade de legislar sobre o assunto, que diz respeito à competência da União.
Neste sentido, observamos que a Lei Federal nº 9394/96 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, já dispõe sobre o tema, senão vejamos:
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino;
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.
§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.
§ 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil.
§ 3º A oferta de educação especial, nos termos do caput deste artigo, tem início na educação infantil e estende-se ao longo da vida, observados o inciso III do art. 4º e o parágrafo único do art. 60 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.632, de 2018)
(...)
Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais:
Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;
II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;
III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
IV - educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;
V - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.
Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público.
Parágrafo único. O Poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo. (Regulamento)
Parágrafo único. O poder público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
Art. 2º São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:
I - a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista;
II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação;
III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes;
(...)
VII - o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis;
(...)
b) o atendimento multiprofissional;
No mais, importante verificar que ao propor atribuições para servidores do Poder Executivo e organizar atribuições de secretarias do Poder Executivo, o projeto de lei ora sob análise, invade competência do Poder Executivo, em contrariedade ao art. 61, §1º da CF e art. 58 da Lei Orgânica. Neste sentido importante colacionar abaixo o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Espirito Santo, analisando caso semelhante em Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI.:
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO - TRIBUNAL DE JUSTIÇA Tribunal Pleno Gabinete do Des. Helimar Pinto DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (95) Nº 5003267-27.2022.8.08.0000 REQUERENTE: PREFEITO MUNICIPAL DE LINHARES PROCURADOR: NADIA LORENZONI REQUERIDO: CÂMARA MUNICIPAL DE LINHARES ACÓRDÃO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL Nº 3.892/2019. INCLUSÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS, PSICOPEDAGOGOS, PSICÓLOGOS E EQUIPE MULTIDISCIPLINAR PARA ATUAÇÃO NAS ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO. MATÉRIA DE COMPETÊNCIA RESERVADA AO PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. A despeito de a pretensão da lei perpassar o objetivo de trazer ao ensino público municipal a atuação de profissionais com conhecimento multidisciplinar e, assim, humanizar a prestação de importante serviço público, trata-se de inevitável invasão do Poder Legislativo em matéria cuja iniciativa para legislar é do Chefe do Executivo. 2. Nos termos do artigo 22, XXIV, da Constituição Federal, é competência privativa da União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Dentro desse contexto, a Lei nº 13.935/2019 dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente para declarar, com efeitos ex tunc, a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.892/2019.
Sendo assim, a proposição local vai de encontro ao entendimento do E. Tribunal de Justiça do Estado do Espirito Santo, que vem assentando que só à União cabe a competência para legislativa sobre a matéria, bem como, contraria norma de organização do Estado prevista na Carta Magna e na Lei Orgânica municipal.
É o parecer.
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